terça-feira, 5 de junho de 2012

Déficit de atenção atinge 10 milhões de brasileiros

 
06/02/2012 - Senado

   

Uma turma com 20 crianças tem pelo menos uma com TDAH, segundo índices constatados pela Organização Mundial da Saúde e confirmados por pesquisas no Brasil, apontando a doença em cerca de 5% da população

Marcio Maturana

O filho de Jacineide Pereira de Souza aumentava as preocupações da mãe neste período de volta às aulas. Ela mesma conta que, desatento e "respondão", ele nunca fazia o dever de casa e saía de sala a toda hora. Como 10 milhões de brasileiros, o menino tem transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Repetiu a 5ª série duas vezes, abandonava cursos, não concluía tarefas, não sossegava. Até que Jacineide descobriu que se trata de doença que também atinge seu pai, sua irmã e dois de seus sobrinhos. A herança genética é o principal fator determinante para o TDAH, que não tem cura, mas tem tratamento.

— Hoje é mais fácil identificar esse transtorno, principalmente em meninos. Antes, adultos sofriam acidentes de trânsito frequentes e não sabiam a razão. O diagnóstico muda completamente a vida da pessoa — afirma o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antonio Geraldo da Silva.

Há três tipos principais de TDAH: com predomínio da desatenção, com predomínio da hiperatividade-impulsividade, e o combinado. A dificuldade em manter a atenção é encontrada nos três casos.

O problema acontece devido a falhas nos neurotransmissores da região frontal do cérebro, e o diagnóstico é feito em entrevista com o médico. Exames são apenas complementares, como explica o psiquiatra Paulo Mattos, autor do livro No Mundo da Lua, sobre déficit de atenção:

Existem doenças que você tem ou não tem, e isso um exame detecta. É o caso de Aids, câncer ou hepatite. Mas há doenças que você tem quando passa de um certo grau, como diabetes. Por isso, todos apresentamos um ou outro sintoma de TDAH. Eu ficaria preocupado se encontrasse alguém que não tem nenhum sintoma.

Acidentes e perdas

Em adultos, o transtorno parece mais brando porque a pessoa cria mecanismos de defesa, segundo o professor Moacir Alfran, que atende o filho de Jacineide e outros 15 estudantes no Centro de Ensino Fundamental do Bosque, em São Sebastião (DF).

— Por volta dos 18 anos, o portador de TDAH já desenvolveu alguns truques, como conversar escrevendo, mas antigamente até se pensava que essa doença acabava na adolescência — diz Moacir.

A publicitária Ana Clara Rocha, 31 anos, confirma o que Moacir fala sobre truques. Ela conta que só recentemente leu um livro com dicas sobre como conviver com o TDAH, pois recebeu o diagnóstico há apenas dois anos. Mas os truques não resolvem tudo.

Em 2011 bati o carro seis vezes e perdi quatro celulares. Como a família já me conhece, fico mais desconfortável em novos ambientes, onde logo passo a chamar atenção pelo excesso de movimentos ou por fazer muito barulho. Mas o pior é no trabalho, onde as pessoas têm que falar comigo umas três vezes até eu assimilar. Minha chefe anterior, brincando, deixava um tubo de cola na cadeira como se fosse para me grudar e eu ficar quieta por um tempo.

Ana Clara revela que já passou por crises de síndrome do pânico e de transtorno bipolar. São duas comorbidades, distúrbios associados que são desenvolvidos pela maioria das pessoas que têm TDAH. Muitas vezes elas dificultam o diagnóstico e geralmente exigem medicação própria. Podem ser até mais graves que a doença básica.

TOC e dislexia

Durante a vida de quem tem TDAH, pode haver desaparecimento de algumas comorbidades e surgimento de outras, mas as mais comuns são os transtornos de conduta, de ansiedade, opositivo-desafiador, depressivo e de humor bipolar. Com menos frequência, há também os transtornos obsessivo-compulsivo (TOC), de aprendizagem (dislexia, disfonia, discalculia, disgrafia etc), de tiques, de ciclo do sono e de uso de substâncias químicas. Esse último, aliado ao transtorno de conduta, é um grave risco para adolescentes.

— Sem acompanhamento e longe da escola, quem tem TDAH vira presa fácil das drogas, pois elas mexem com os neurotransmissores. E o traficante adora porque vê a possibilidade de aliciar um cúmplice ativo e sagaz — alerta o professor Moacir.

Por isso, a família, logo que conhece o diagnóstico e inicia o tratamento, deve se informar o máximo para saber a melhor forma de agir, como recomenda Iane Kestelman, presidente da Associação Brasileira do Déficit de Atenção. Ela tem um filho com TDAH e conta que praticamente toda a equipe da associação é composta por portadores da doença, parentes ou médicos e psicólogos voluntários.

O que Iane indica tem dado certo com o filho de Jacineide. Hoje, sob tratamento, ele tem conseguido ótimos resultados na oitava série e conquista medalhas de judô.

Professor Moacir ouve a história de Jacineide, junto com um sobrinho que tem TDAH

Jornal do Senado
(Reprodução autorizada mediante citação do Jornal do Senado)Fonte:http://www12.senado.gov.br/noticias/jornal/edicoes/2012/02/07/deficit-de-atencao-atinge-10-milhoes-de-brasileiros

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